Diário do Murillo na Clipper Race
Olá terráqueos, eis que estamos aqui neste atlântico oceano transmitindo direto das coordenadas 32º17’54”S e 32º59’08”W de bordo do OneDLL nesta Clipper Round the World Race. Neste momento, desde que deixamos o Rio de glorioso janeiro, o sol resolveu dar as caras pela primeira vez. Ufa!! A coisa tem sido molhada, fria e ventosa por estas bandas. Como Ollie, meu comandante, é um cara sensato e até ouve os amigos, resolvemos dar um mergulho pro sul antes de rumar finalmente para o leste no rumo da cidade e do cabo que fizeram a ponta do continente negro famosa no mundo da navegação. Estamos no paralelo do Uruguai agora, mas já com rumo 120 graus verdadeiros.
E se ainda não deu certo no cérebro eletrônico que calcula as posições desta contenda, tenho esperanças que dará. Somos o segundo barco mais ao sul e estamos fazendo uma das maiores singraduras médias da flotilha aproveitando os bons ventos que circundam a alta de Santa Helena. E já estamos no rumo de Tristão da Cunha, a ilha de possessão inglesa que marca o ponto da virada rumo ao nordeste (espero!).
Neste 70 pés de meu Deus, nossa pequena canoa que cruza as ondas, a vida tem sido boa e desconfortável. O bicho é muito doce e aderna como o quê, mesmo no “contravés”. Resultado: vivemos como os bandidos do antigo seriado do Batman, na diagonal. Amuras sempre a bombordo e um cotidiano mais de escaladores que de velejadores. Óbvio que isto cobrou um preço da tripula nos primeiros dias e a balaustrada virou muro de lamentação e de “vomitação”. Argh!! Bem, estou invicto até agora e não fosse por um frango ao curry muito apimentado que me fez cuspir grosso outra noite, nada demais teria me acontecido.
A tripula, aliás, é um show à parte. Quando imaginei ver uma senhorinha londrina, outrora uma secretaria que nunca havia velejado, trocando velas de proa, na chuva, às 2 da matina, com vento de 25 nós, pagando 10 mil Libras por perna e com um sorriso na cara? Grande exemplo de tesão vélico! Os caras são chamados de amadores, mas poucas vezes vi uma galera tão disciplinada e organizada nas manobras. Nota mil!! E olha que, fora este manza e o skipper, todos estão pagando bem para passar este perrengue aqui! Claro, que a trimagem dos panos não é a melhor do mundo, mas como são obedientes e focados, qualquer toque do comandante ou de um mané metido qualquer, é logo aceito e executado. Estamos colhendo os resultados… Pelo menos em veloc! Já na tática, como disse, veremos… Outro ponto bom é que temos ótimos timoneiros, pelo menos no meu turno, e os caras seguram a onda legal. Claro que são os que tinham experiência prévia de vela, mas levam bem no rumo médio e sempre no target (que, diga-se de passagem, não é lá estas coisas…).
Bem, por enquanto é isso. Este é o quarto dia desde que deixamos a Marina da Glória e glória a Netuno e Éolo, tudo corre às mil maravilhas. A previsão é de mais quase duas semanas de mar e muita água ainda passará embaixo desta quilha até vermos os leões e os elefantes em seu habitat natural. Torçam por nós!! Fui!!